quinta-feira, 31 de maio de 2007

PAIS ADOTIVOS ENTREVISTA

Lei Nacional da Adoção: o Brasil em vanguarda na América Latina

Por Oscar Henrique Cardoso
Editor Pais Adotivos SA

Brasília, 31/5/07 - Hoje, 80 mil crianças esperam por um novo lar em centenas de abrigos espalhados por todo o território nacional. São brancos, negros, indígenas, bebês, adolescentes. O perfil é o mais variado. Na hora de escolher uma criança, o brasileiro ainda ajuda a aprofundar ainda mais o sentimento de exclusão e abandono. Mais da metade das crianças adotadas hoje no Brasil são brancas, do sexo feminino, com pele e olhos claros, dentro de um padrão europeu.

Mas este quadro começa a mudar. Aos poucos, lentamente, crianças maiores de três anos, negras e também portadoras de algum tipo de doença ou deficiência começam a ganhar novos lares. Não só a escolha é um entrave para uma nova família. Também a burocracia e a lentidão do Judiciário em facilitar os processos de adoção, diga-se diminuir o tempo de trâmite, acabam emperrando o sonho de muitos casais e cidadãos que buscam um filho.

Assim que for aprovado – e já está na Mesa Diretora da Câmara aguardando data para entrar em votação, o Projeto de Lei 1756/2003, de autoria do deputado federal João Matos (PMDB/SC) irá transformar todos os trâmites e conceitos sobre o tema adoção no país. A proposta está em desburocratizar os processos, cujo tempo médio se arrastam por mais de três anos nas comarcas brasileiras e irá disciplinar o Estado a lidar com a seleção de candidatos, adoção por casais estrangeiros e também a adoção de crianças estrangeiras por brasileiros.

PAIS ADOTIVOS SA visita o gabinete do deputado João Matos, em Brasília. Nessa entrevista, publicada na seqüência, o parlamentar fala sobre militância, consciência e principalmente ressalta a importância de seu projeto como um instrumento de vanguarda em favor da adoção no Brasil, situação que colocará o país na linha de frente sobre o assunto em todo o continente latino-americano:

Pais Adotivos SA: O que lhe motivou a lutar para que haja a democratização e a ampliação da adoção no Brasil?

Deputado João Matos: É um tema que tem um apelo social muito forte. A própria adoção já é sinônimo de inclusão social, uma vez que há pessoas que precisam ser adotadas porque foram privadas de muitas coisas, entre as quais está o direito alienável do convívio familiar. São diversos os motivos que levam a destituição do poder familiar, seja em relação a uma criança ou a um adolescente. Reconstituir estes laços familiares e o direito de usufruir deste sagrado direito de convívio familiar evidentemente que é uma ação que merece atenção, dedicação. Por outro lado, também a minha própria experiência. Eu e minha esposa adotamos nosso filho Cléber com 11 meses de idade. Aos quinze anos, ele faleceu vítima de um tumor no cérebro.
Com a morte do Cléber nos jogamos de corpo e alma, com total apoio da esposa e dos filhos (biológicos) na absorção pela causa da adoção, desde quando adotamos o Cléber até depois de seu falecimento. Buscamos chamar a atenção da sociedade catarinense e, posteriormente da sociedade brasileira a respeito da grande defasagem em termos de políticas públicas voltadas a adoção, voltadas ao restabelecimento familiar deste vínculo entre crianças cujos pais foram destituídos do poder familiar. E o Cléber foi a grande motivação desta luta. Tanto que meus três filhos pensam também em adotar. Meu filho mais novo se tornou papai na semana passada e no dia em que registrou seu filho mais novo ele também foi a Vara da Infância e da Juventude para se inscrever para adoção. Meus filhos também participam do movimento e isso é uma compensação.

Pais Adotivos SA: Por que o brasileiro ainda adota pouco? O que impede é a burocracia ou o preconceito ainda fala mais alto?

Matos: Há preconceito e falta de esclarecimento, que explica tudo isso. Em primeiro lugar, há uma falta de cultura de adoção no Brasil, a exemplo do que temos sobre tudo na Europa, onde se encontra uma cultura mais definitiva, mais enraizada de adoção. E justamente toda esta nossa luta tem como pano de fundo contribuir decisivamente para a implantação dessa cultura definitiva de adoção. É claro que não se faz de um dia para o outro, mas se olharmos para cinco anos atrás a distância já é bastante grande. Vários movimentos a respeito da adoção, com grupos de debate, grupos de estudo, grupos de apoio à adoção e jornadas que vão acontecendo, vão fazendo com que a sociedade brasileira vá se conscientizando deste problema social que temos no Brasil.
A falta de uma cultura que se tem no Brasil é real e esta cultura começa a ser construída. Não a partir da minha luta, mas antes, evidentemente, digo que esta cultura em favor da adoção começou a ser implantada na década de 90 quando começaram a se organizar e surgir grupos de estudo e apoio à adoção. O primeiro grupo organizou-se através de um evento realizado na cidade de Rio Claro em São Paulo e dali começaram a se organizar, anualmente, encontros de grupos de adoção no Brasil inteiro, através dos ENAPAs. A partir daí foi o marco zero para a instalação definitiva da cultura de adoção no Brasil. Mas além desta falta de cultura, ou muito incipiente, está o problema da burocracia excessiva. Meu Projeto de Lei Nacional da Adoção, que é o Projeto de Lei 1756/2003, que agora está em fase final de análise para votação, está à Mesa da Câmara para ser acertado o início de sua votação no plenário, visa entre outras coisas justamente desburocratizar todos os processos de adoção que no Brasil são muito morosos. É bom que se destaque que o projeto propõe que um processo de adoção demore no máximo 12 meses. Enquanto que hoje no Brasil os processos demoram mais de dez anos. Não é regra, mas sim exceções. Hoje, em média no Brasil um processo de adoção dure três anos e sete meses. É muito tempo. Enquanto que para os delinqüentes, responsáveis por crimes hediondos neste país, se garante o direito e a autoridade judicial para se responder em liberdade, uma criança que não tem culpa nenhuma, mas que foi abandonada, precisa esperar mais de dez anos para que a autoridade judicial se pronuncie.Então, queremos acabar com isso, através da desburocratização do processo.
Esse projeto de lei também entra em outras questões e traz como pano de fundo a implementação de uma política definitiva de adoção no Brasil, definindo claramente quem pode adotar, quem pode ser adotado e conceituando a adoção de maneira clara, como direito inalienável a criança cujos pais tiveram seu poder destituído e não como um direito primeiro para quem quer adotar. Até porque se entende muito ainda que o direito de adotar ainda se dá para quem não tem filho ou porque por algum motivo quer adotar do que para quem realmente foi privado pelo convívio familiar. O projeto também entra na questão da adoção de crianças brasileiras por estrangeiros, disciplinando também um rígido controle à autoridade brasileira. Entra pela primeira vez no caso de adoção de crianças estrangeiras por brasileiros, o que acontece muito nas fronteiras do Brasil com os países da América do Sul.

Pais Adotivos SA: O preconceito em adotar no Brasil também tem ligação com o racismo?

Matos: Um dos grandes problemas da adoção está no preconceito. No Brasil, não se tem muitas crianças recém-nascidas da raça branca, sobretudo de olhos claros e azuis. Essas dificilmente não são adotadas. A não ser que venham a ter algum tipo de deficiência mental. Mas as outras crianças, sobretudo as da raça negra esperam na fila e muitas delas acabam ficando abrigadas até os dezoito anos porque há esta discriminação. Por falta de uma cultura definitiva de adoção, uma cultura mais madura e tradicional, nós ainda temos a maioria das pessoas que querem adotar pretendendo recém-nascidos, sobretudo do sexo feminino, raça branca, olhos claros. Vemos que as demais crianças vão ficando sem chance de serem adotadas com o tempo passando. Imagina se for negra, ou indígena, aí o preconceito é muito maior.
Pior ainda, a medida em que a idade vai avançando, quando entra na adolescência aí fica muito difícil. Não digo raro, mas são muito reduzidos os números de adoções de adolescentes. Além de todo este problema de idade avançada ou raça, se ele acumula algum tipo de deficiência física ou mental, aí o preconceito aumenta ainda mais. Nós temos que transformar esta tendência das pessoas em querer crianças dentro do perfil europeu. Felizmente, mesmo que vagarosamente, as estatísticas já mostram que está havendo uma modificação. Mesmo não tão rápido quanto o ideal, mas está havendo. Há muitas pessoas que vão aos abrigos pedir a guarda de crianças com idade mais avançada.

Pais Adotivos SA: Como o senhor vê a adoção de crianças por casais homossexuais?

Matos: Eu já tive reservas e não preconceito. Mas pergunto até que ponto um casal homossexual estaria preparado sob o ponto de vista de tocar em frente o processo de educação de uma criança. Mas não tenho nenhum preconceito. Vejo o poder judiciário atacando pedidos e vejo que quem tem amor para dar, deve dar, não importa a sua opção de vida, importa sim a qualidade de educação que dará a uma criança. Vejo com normalidade. É mais uma preocupação com o tipo de dificuldades que um casal homossexual possa enfrentar pela sociedade do que propriamente dito preconceito.

Pais Adotivos SA: Hoje no Brasil, onde é mais fácil e mais rápido se adotar uma criança. É na região Nordeste, no Sul, no Sudeste, Norte ou Centro-Oeste?

Matos: Eu acho que o Sul está mais avançado, em especial cito o meu estado: Santa Catarina. Foi um dos primeiros estados onde houve manifestação do Judiciário frente ao tema e isso nós temos que reconhecer o avanço dentro do Judiciário, que, independentemente de outros encaminhamentos em outras partes do país, o judiciário catarinense está na vanguarda em relação a outros judiciários existentes em outros estados do país. Lá tivemos a sorte também de ter, a partir de mim, alguém que iniciasse esse movimento em nível nacional e trouxesse para a casa do povo a discussão sobre esse assunto.
Temos uma resposta muito positiva da sociedade. Diria que em SC, os Poderes Legislativos, a partir de nossa iniciativa, entre eles citam o deputado Rogério Mendonça, o Peninha, teve a iniciativa de criar o Fórum Permanente de Adoção na AL de SC que realmente marca presença, com contribuições ao tema. O poder executivo tem dado sua parcela, mas é o menos presente ainda. Aqui, em nível de governo federal, temos iniciativas de alguns órgãos do Poder Executivo, como a Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, a qual vem ao encontro das nossas iniciativas. Ainda é pouco, mas posso dizer, em meu quarto mandato como deputado federal que avançamos bastante. Hoje, ao falarmos sobre o tema adoção, aqui na casa, vejo que a maioria dos deputados e senadores apóiam.
A primeira iniciativa que fiz, ao ingressar de maneira clara foi partir para abraçar a causa, em 20021, após a morte do Cléber, criamos em SC a Associação Catarinense de Pais Adotivos, com eventos, palestras e organização de grupos de pais espalhados pelo estado. Após, nosso movimento se incorporou a demais Grupos de Apoio com apoio do Poder Judiciário e hoje estamos com um movimento integrado. Depois, propomos projeto de lei criando o Dia Nacional da Adoção, no dia 25 de maio, data em que em Rio Claro, em 1995, os Grupos de Apoio a Adoção de todo o Brasil.
Felizmente, no dia 25 de maio de cada ano, graças a Lei 10.447, em 9 de maio de 2002, foi uma grande iniciativa porque se criou uma data em torno do giro de centenas de eventos espalhados pelo país afora, com jornadas de adoção. É uma referência pela qual a coisa gravita. Outra iniciativa foi então aglutinar parlamentares. Propus a criação da Frente Parlamentar da Adoção. Hoje, somos em torno de 120 parlamentares, entre deputados e senadores. Maioria deles pais adotivos. E aí veio a tacada maior, que foi entrar com o projeto de lei 1756 de 2003 que propõe a Lei Nacional de Adoção, somando-se ao ECA, que já entrava na matéria, mas não era completo.

Pais Adotivos SA: Assim que estiver aprovada, a Lei irá transformar completamente a forma como os processos são conduzidos hoje no país?

Matos: Com certeza, sob o ponto de vista começa com uma conceituação nova, com o Direito da Criança, com critérios, abreviarão do tempo do processo e vaieliminar procedimentos desnecessários. Vai criar um Cadastro Nacional de Adoção, a partir de cadastros comarcais, estaduais e nacionais, com crianças e adolescentes disponíveis à adoção e de pessoas que querem adotar. Obriga o poder público a criar políticas públicas de apoiamento e instrumentalização do judiciário. Essa lei realmente cria toda a infra-estrutura e as condições necessárias para que se instale.

Pais Adotivos SA: Com estas normas mais claras, irá propiciar o desafogo dos abrigos, superlotados de crianças?

Matos: Por mais que façam, os abrigos são meritórios, temos que dar apoio, porque graças aDeus ainda existem. Mas, Graças a Deus por um lado. Infelizmente ainda existem tantos abrigos. A tendência é zerar o número de abrigos e isso é a nossa preocupação. Não queremos que haja mais crianças abandonadas. Claro que zerar é uma utopia, mas diminuir sim. Quanto menos abrigos, maior será a atenção e o acolhimento de crianças. Serão sim um local de passagem por tempo limitado.

Pais Adotivos SA: A nova lei vai colocar o país em um patamar igual a países europeus no que trata da legislação em torno da adoção?

Matos: Sim, não resta dúvida que a lei é uma lei moderna. Vários países têm vindo discutir, buscar subsídios aqui. Colhemos o que ouvimos e soubemos, mas a aprovação da lei e sua colocação em prática, farão com o que o Brasil evolua em termos modernos de adoção. Falando em tratativas brasileiras, tem se pensado também em transformar 25 de Maio no Dia Latino-Americano da Adoção.

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