quarta-feira, 4 de julho de 2007

ARTIGO: A RECONSTRUÇÃO DO COMPORTAMENTO PELO AFETO

Por Luiz Schettini Filho (*)

Concordo com o poeta quando diz:
“O tema é um ponto de partida para um poema e não um ponto de chegada, da mesma forma que a bem-amada é um pretexto para o amor” (Mário Quintana).

A reconstrução do comportamento é um pretexto para a expressão do amor. Ninguém que assume a empreitada de reconstruir o comportamento, seja o seu ou o de quem diante de si está, conseguirá sucesso sem antes viver, consigo e com o próximo, uma relação de amor. No que diz respeito ao comportamento humano, a reconstrução só será efetiva e real se for processada com a mesma matéria prima com a qual foi construída sua estrutura: o afeto.

As relações de apego afetivo do filho com a figura materna são a base do desenvolvimento dos processos de relação interpessoal com as demais figuras parentais e sociais que comporão o universo de cada um de nós. Nosso comportamento resultará da conjunção dos fenômenos que ocorrerão ao longo do tempo, no qual inscreveremos nossas marcas pessoais, estabelecendo, dessa forma, uma maneira peculiar de viver. Estaremos, assim, construindo nossa personalidade.

Toda essa trama se desenvolve através dos estímulos afetivos que receberemos e que dividiremos com as pessoas que constituirão o nosso mundo.O amor, portanto, é o instrumento por excelência que possibilitará a construção e, quando necessário, a reconstrução do comportamento.Alguns pressupostos serão necessários para entendermos o processo de reconstrução.

1. Amor e conhecimento.

O amor vem antes do conhecimento. Talvez este seja o grande mistério das relações humanas. Ama-se sem que seja necessário conhecer. O conhecimento resultante da convivência poderá organizar as relações interpessoais, aprofundá-las, solidificá-las, mas, necessariamente, não será a gênese do amor. “Aqueles que esperam os trâmites do conhecimento, buscando conjugar elementos que produzam segurança e satisfação pessoais para construir uma relação de afeto, se expõem ao insucesso ou à surpresa de encontrar o vazio ao longo do caminho” (Schettini). Ama-se e, pelo amor, se conhece.A condição necessária para esse amor é a liberdade da pessoa a quem se ama. O amor não precisa do confinamento da pessoa amada.Não amamos o outro pelo valor que ele tem; o seu valor é dado porque amamos. Quem ama não se decepciona com o amado; quando muito, se surpreende. Enfim, “o amor é forte como a morte” (Cant.8:6).

2. Amar é coisa de amador.

A ambigüidade da afirmação é proposital. O amor só pode ser conhecido quando nos tornamos amantes. É na prática do amor que descobrimos o que ele significa sem que, no entanto, possamos explicá-lo. O amor não cabe na lógica simplesmente porque transita em uma órbita psico-lógica. Essa é uma das razões porque amar é coisa de amador (de quem ama). O outro aspecto incluído na afirmação que fizemos é o de que amar não se conquista pela adoção de uma metodologia, de uma técnica. Por esse motivo não existem “profissionais” do amor. Ou seremos amadores, ou não amaremos nunca.

3. Amor como instrumento de transformação.

É na relação de afeto que descobrimos as formas adequadas de lidar com o outro no processo de comunicação e, conseqüentemente, em nossos projetos pegagógicos. Passar para o outro informação sem acondicioná-la no afeto, é correr o risco de produzir uma deformação.“A lógica que preside nossa relação com o Outro oscila entre dois extremos: a indiferença e a interferência” (Elizabeth Badinter). A indiferença é a morte, a interferência é o risco. Sabemos, entretanto, que educar é correr riscos. Na reconstrução do comportamento nos envolvemos no processo de transformação, de alguma maneira, interferindo no ser. É por essa razão que “o amor é um gozo que tem o peso de um fardo” (Jurandir Freire Costa).
A comunicação entre as mentes (razão) é apenas o meio do caminho. É na comunicação entre os corações (afeto) que se dá a reconstrução do ser. Compreender é insuficiente para se empreender a reconstrução do comportamento. É pelo sentir que teremos a possibilidade de interagir verdadeiramente e, portanto, produzir mudanças.A rigidez da lei ou a severidade das normas desfiguram o comportamento, porque tentam impor uma mudança de fora para dentro, mas a expressão do afeto, que se alia à verdade, promove a transfiguração da conduta.
O que não queremos ser está à espreita para se manifestar nos momentos de fragilidade, pois somos também o que não desejamos ser. Essa é a parte que temos de manter sob vigilância para que sobressaia o que realmente buscamos ser. Isso só será possível quando estabelecermos uma relação de amor com as pessoas com quem convivemos. É por essa razão que nossa atuação na pedagogia do comportamento precisa ser pela via do afeto, porque o que transferimos não é propriamente o que sabemos, mas o que somos.

Conclusão

Aqueles que se aventuram na caminhada do afeto na direção da ação pedagógica, não podem esquecer que o amor nunca é totalmente tranqüilo. Se o for, estará há um passo da extinção (Cf. Octavio Paz). No amor o sofrimento deixa de ser sofrimento para ser um investimento no processo de viver. “Não amemos só de palavra” (I Jo. 3:18).O amor não pode ser adiado. Alguém morrerá por sua ausência.Não importam muito as cinzas se as labaredas clarearam o caminho e destruíram as impurezas da alma.

Sugestões bibliográficas:

MACEDO, Heitor O’Dwyer de, Do Amor ao Pensamento, Trad. Monica Seincman, Via Lettera Editora, São Paulo, 1999.

COSTA, Jurandir Freire, Sem Favor nem Fraude, Rocco, Rio de Janeiro, 1998.

QUINTANA, Mario, 80 Anos de Poesia, Globo, São Paulo, 1998.

NASIO, Juan-Davi, O Livro da Dor e do Amor, Trad. Lucy Magalhães, Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 1997.

SCHETTINI, Luiz Filho, Adoção: origem, segredo e revelação, Bagaço, Recife, 1999.MODELL, Arnold H., Amor Objetal e Realidade, Trad. Marina Brandão Machado, Imago, Rio de Janeiro, 1973.

(*) Luiz Schettini Filho nasceu em Garanhuns, Pernambuco, teve sua formação escolar e acadêmica no Rio de Janeiro, onde graduou-se em Teologia e iniciou seus estudos em Psicologia, concluindo-os na cidade de Recife. Na capital pernambucana, graduou-se, também, em Filosofia.
Desenvolve sua atividade profissional nos últimos 35 anos, em Psicologia Clínica, especialmente na área de psicoterapia de crianças e adolescentes.
Nesse período, paralelamente, tem-se dedicado ao ensino da psicologia em várias universidades e faculdades do estado de Pernambuco, atuando nas áreas de Psicologia Geral, Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento. De 1976 a 1998 lecionou no Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Em Psicologia Clínica, dedica-se, também, ao acompanhamento psicoterápico de pais e filhos adotivos, desenvolvendo estudos e pesquisas sobre a psicologia da criança adotada, que têm resultado em vários livros já editados. O seu trabalho também se desenvolve através de palestras, conferências e cursos ministrados no país e no exterior.

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