quinta-feira, 14 de junho de 2007

REPORTAGEM: RADIOGRAFIA DA ADOÇÃO NO BRASIL MOSTRA EXCLUSÃO E BUROCRACIA


Por Oscar Henrique Cardoso
oskarhcardoso@gmail.com

Brasília, 14/6/07 - O quadro do abandono no Brasil mostra uma face ainda dramática para milhares de crianças que vivem em abrigos de norte a sul do país. Ao contrário do que se pensa, o sonho de ganhar uma nova família fica distante para muitos casos por duas razões: a lentidão do Judiciário em acelerar os processos de destituição familiar e ainda a não liberação das famílias biológicas para a adoção por novos núcleos familiares.

Estas e outras constatações acerca do abandono e da adoção no Brasil foi apresentado na última quarta-feira, 13 de junho, no painel Abandono e Adoção no Brasil, ministrado pela professora-doutora Lídia Weber, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Lídia esteve em Brasília a convite do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), onde palestrou para alunos do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde.

O Brasil, de acordo com a pesquisadora, ainda caminha a passos lentos no que se refere a pesquisa sobre o tema Abandono e Adoção. Pesquisa coordenada pela professora-doutora Lídia Weber na UFPR apresenta uma radiografia do tema. Entre os números apresentados (confira na próxima postagem) o perfil do adotante é predominantemente de casais heterossexuais, brancos, com ensino médio completo e curso superior, idade a partir dos 34 anos e com problemas de infertilidade. Por outro lado, a criança adotada no país ainda é predominantemente recém-nascida, do sexo feminino, de cor branca, com idade até três meses de vida. As adoções tardias, consideradas pela literatura a partir dos dois anos de vida, ainda é baixa: 15% dos adotados tem idade acima da faixa. Em um país que tem 80 milhões de afro-descendentes, 23,8% das crianças que ganham um novo lar são pardas e apenas 5,3% são negras. Quando se fala nos orientais, aí mesmo é que diminuem os números: 0,4% de crianças de origem oriental são adotadas.

Em entrevista a PAIS ADOTIVOS SA, Lídia Weber destaca a valorização sobre o tema adoção, adoção e mídia, Lei Nacional de Adoção, políticas públicas, adoção no Sul do país e intervenção da sociedade pela erradicação do abandono.

Debate em coro pela sociedade civil:

Lídia Weber lembra que o debate em torno do tema Adoção começou a ganhar as ruas há cerca de 10 anos, a partir de uma intensa mobilização por parte da sociedade civil. Mais especificamente pelo coro de integrantes de Grupos de Apoio à Adoção, formados predominantemente por pais adotivos. Neste mesmo período, em 1996, Lídia Weber produziu a primeira pesquisa sobre o tema Abandono e Adoção no Brasil pela UFPR. Fato este que chamou a atenção da academia para a produção de pesquisas sobre a temática social. Foi também no final dos anos 90 que a Revista Veja publicou uma reportagem especial com o título “Famílias adotivas são felizes”. “Até então se sussurava sobre o assunto e a sociedade não falava em abandono e adoção porque a cultura existente banalizava o abandono, ou seja, não era importante se falar nas crianças que viviam em instituições. Digo que todo este movimento se deve ao coro feito pela sociedade civil”, ressalta.
A adoção na pauta da mídia:

A pesquisadora também vê com olhos positivos a presença do tema adoção em revistas, jornais e programas de tevê. Lídia analisa que a abordagem vem sendo dada de forma positiva e lembra que a inserção do tema na mídia começou a ser registrado também na última década, a partir de um trabalho produzido por uma de suas alunas do Mestrado em Psicologia da UFPR. O estudo analisou a presença do tema adoção na pauta de duas revistas de circulação nacional nos últimos 20 anos: revistas Veja e Pais e Filhos. “Constatamos que a Veja tratou melhor sobre adoção e cidadania do que a Pais e Filhos. Em duas décadas passadas, a Pais e Filhos, que é uma revista especializada no assunto publicou cinco artigos no período”.

Lei Nacional de Adoção:

A aprovação e entrada em vigor da Lei 1753/2006 de autoria do deputado João Matos, do PMDB de Santa Catarina – Lei Nacional de Adoção é vista com bons olhos por Lídia Weber. Conforme ela, há discussões e debates jurídicos sobre alguns pontos, mas, o que mais deve ser levado em consideração é que o novo texto leva em consideração práticas já feitas pela sociedade, como a adoção por casais homossexuais, cuja situação já tem jurisprudência favorável. “O que mais devemos salientar é a redução do tempo de institucionalização de uma criança. A criança não pode pagar pelos erros dos adultos e ficar 17, 18 anos vivendo em um abrigo”, frisa.

Políticas Públicas:

A respeito da inexistência de políticas públicas direcionadas ao menor abrigado no país, Lídia Weber aponta que a não promoção de ações do Estado para o tema se dá porque a sociedade vê as crianças abrigadas como não rebeldes e não incômodas. “As pessoas se chocam quando apresento a realidade em palestras. Dizem jamais ter tomado conhecimento de tais fatos”. Lídia chama a atenção novamente para a sociedade civil pressionar o Legislativo e o Judiciário para direcionar iniciativas para incluir os menores órfãos em ações de igualdade e inclusão social.

Adoção no Sul do País: vanguarda

A adoção realmente ganhou maior destaque e ações por parte dos catarinenses. É de lá que nasceu a iniciativa de se criar a Lei Nacional da Adoção, por parte do deputado João Matos, é em território catarinense que se concentram a maioria dos grupos de apoio à adoção do país. Tais informações são confirmadas por Lídia Weber, que lembra também o pioneirismo de Santa Catarina em ter um cadastro estadual para adoção, onde o candidato se inscreve em apenas uma comarca – hoje para adotar, é necessário que se deixe a documentação em várias comarcas, porque não há um cadastro único. “Vale lembrar que o Rio Grande do Sul pouco fez nesta área. O Paraná, em 1983, sofreu um grande abalo institucional com a questão do tráfico de crianças, com o caso de 40 bebês traficados para outros países, fato este que motivou a formação da Comissão Estadual para Adoção (CEJA). Por isso, recomendo aos demais estados da união a olharem para Santa Catarina, a fim de criar meios favoráveis para incentivar a adoção”.

Sociedade e Abandono:

De que forma pais adotivos e a sociedade como um todo pode contribuir para erradicar o abandono infantil? Lídia indica que somente a partir do debate se pode realmente caminhar pelo fim do abandono. Conforme a pesquisadora “Sartre dizia que o inferno são os outros e não somos nós. Visitar abrigos e conversar com as crianças que lá vivem é uma forma de minimizar o sofrimento. É importante que os pais adotivos falem sobre o tema com a mídia, apresentem casos e construam modelos. Vejo também como positiva a iniciativa de artistas que vem a público dizer que vão adotar crianças, bem como a divulgação de famosos que mostram seus novos filhos à sociedade. Temos que também conscientizar as mães que desejam doar seus filhos para fazerem a entrega na forma legal. É só com o diálogo que se esclarece a sociedade sobre a adoção, derrubando mitos e fantasmas”, finaliza.

Você deseja contatar com a professora-doutora Lídia Weber. Aí vai o contato por endereço eletrônico: lídia@ufpr.br

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